TDAH, superdotação e altas habilidades

 

Pacientes que possuem Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e, ao mesmo tempo, são identificados como superdotados ou com altas habilidades enfrentam um conjunto de desafios bastante únicos e, muitas vezes, complexos. Esses indivíduos, frequentemente descritos como “dupla excepcionalidade”, encontram-se em uma interseção em que suas habilidades intelectuais, que estão acima da média, coexistem com dificuldades significativas associadas ao TDAH. Essas dificuldades podem incluir desatenção, impulsividade e hiperatividade, características que, por si só, já podem representar um grande desafio no cotidiano dessas pessoas. Quando somadas ao fato de que são cognitivamente muito capazes, isso pode gerar situações complexas, tanto em termos de diagnóstico quanto de tratamento.


Crianças e adultos superdotados geralmente têm um desempenho cognitivo que se destaca em relação a seus pares. Apresentam uma capacidade de aprendizagem rápida, uma curiosidade intelectual inata e, muitas vezes, uma habilidade incomum para resolver problemas. Além disso, podem demonstrar altos níveis de criatividade e excelência em áreas específicas, como matemática, música, arte ou linguística. Contudo, essa mesma capacidade intelectual elevada pode, em muitos casos, mascarar ou confundir diagnósticos relacionados ao TDAH. Isso ocorre porque muitos dos sintomas clássicos do transtorno, como desatenção ou inquietude, podem ser erroneamente interpretados como desinteresse ou tédio, resultantes da falta de desafios proporcionais à sua capacidade. Assim, pode-se dizer que a superdotação pode tanto ocultar o TDAH quanto ser mal interpretada por conta dele.


Nos indivíduos superdotados, o TDAH tende a se manifestar de maneiras um tanto distintas em comparação com aqueles que não possuem altas habilidades intelectuais. Enquanto o transtorno é tradicionalmente associado a dificuldades no foco e no controle de impulsos, nos superdotados ele pode aparecer de forma mais sutil e complexa. Um dos aspectos mais comuns é o desinteresse por tarefas que consideram monótonas ou que não desafiam suficientemente sua capacidade intelectual. O que para muitos seria um sinal claro de desatenção, nesses pacientes pode ser simplesmente uma reação à falta de estímulo adequado. Por outro lado, a impulsividade e a hiperatividade podem se manifestar como uma busca constante por novos temas e atividades que desafiem suas capacidades, o que, por sua vez, pode prejudicar sua organização e a habilidade de completar tarefas que exigem persistência ao longo do tempo.


Outro desafio significativo que esses pacientes enfrentam é a inconsistência de desempenho. Por conta da combinação entre suas capacidades intelectuais avançadas e as dificuldades relacionadas ao TDAH, eles podem oscilar entre desempenhos excepcionais em algumas tarefas e grandes dificuldades em outras, especialmente aquelas que demandam concentração prolongada ou são percebidas como pouco estimulantes. Essa flutuação no desempenho pode ser facilmente mal compreendida por pais, professores ou colegas, que podem ver essas variações como uma falta de esforço, motivação ou até mesmo como preguiça. A realidade, porém, é muito mais complexa, já que essa inconsistência é muitas vezes resultado de um descompasso entre o potencial cognitivo e as limitações impostas pelo transtorno.


Além das questões cognitivas e de desempenho, esses pacientes também podem enfrentar problemas emocionais significativos. A frustração, a ansiedade e a baixa autoestima são frequentemente relatadas por aqueles que convivem com essa dupla excepcionalidade. A incapacidade de corresponder plenamente às expectativas elevadas – seja de si mesmos, seja das pessoas ao seu redor – pode gerar sentimentos intensos de inadequação e fracasso. Essas questões emocionais tendem a ser exacerbadas pela percepção de que, apesar de sua inteligência acima da média, eles não conseguem controlar aspectos-chave do TDAH, como a desatenção ou a impulsividade.


O diagnóstico de pacientes com TDAH e superdotação pode ser um processo particularmente desafiador. Muitas vezes, a superdotação complica a identificação do TDAH, já que as dificuldades com atenção ou comportamento são vistas como traços da personalidade criativa do indivíduo ou resultado de um desajuste com o ambiente educacional. Da mesma forma, quando o foco está excessivamente sobre o TDAH, a superdotação pode ser desvalorizada ou até mesmo ignorada, resultando em uma falta de estímulo adequado às suas capacidades intelectuais. Por isso, é essencial que o diagnóstico e a avaliação desses pacientes sejam feitos de maneira holística, levando em consideração tanto suas dificuldades quanto suas potencialidades.


Em termos de intervenção e apoio, o tratamento para indivíduos com TDAH e superdotação precisa ser altamente individualizado. Não basta apenas tratar os sintomas do TDAH; é necessário também promover o enriquecimento intelectual e emocional, de forma que o indivíduo possa explorar e desenvolver plenamente suas habilidades. Isso significa que as intervenções mais eficazes tendem a ser aquelas que combinam apoio cognitivo com suporte emocional. Um ambiente que incentive o aprendizado ativo, criativo e desafiador é crucial, assim como o uso de técnicas comportamentais e educativas que ajudem o paciente a gerenciar os sintomas do TDAH, como a impulsividade e a desatenção. Além disso, é importante trabalhar no desenvolvimento de habilidades organizacionais e de regulação emocional, para que possam lidar de forma mais eficaz com os desafios cotidianos.


Com o suporte e as estratégias adequadas, pacientes com TDAH e superdotação podem transformar o que inicialmente parece uma combinação difícil de gerenciar em uma fonte de grande força. Ao aprender a gerenciar seus sintomas de TDAH, ao mesmo tempo em que têm suas habilidades intelectuais devidamente estimuladas e valorizadas, esses indivíduos têm o potencial de realizar feitos notáveis, aproveitando ao máximo suas capacidades excepcionais. O desafio, portanto, não está apenas em lidar com as dificuldades do transtorno, mas em criar um ambiente que permita a esses pacientes desenvolverem todo o seu potencial, tanto cognitivo quanto emocional.

Ricardo Santana, Neuropsicólogo, CRP15 0190, (82)99988.3001, Maceió/AL

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