A alimentação comportamental emerge como uma abordagem crucial para indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), dada a prevalência de seletividade alimentar e outros desafios alimentares nessa população. Compreender a intrincada relação entre comportamento e alimentação não apenas otimiza a ingestão nutricional, mas também promove a autonomia e a qualidade de vida desses indivíduos.

A Complexidade dos Desafios Alimentares no TEA

Indivíduos com TEA frequentemente exibem padrões alimentares restritos, caracterizados pela recusa de novos alimentos (neofobia), preferências sensoriais acentuadas por determinadas texturas, cores ou sabores, e rotinas alimentares inflexíveis (Bandini et al., 2010). Essas dificuldades podem levar a dietas nutricionalmente desequilibradas, impactando o crescimento, o desenvolvimento e a saúde geral (Sharp et al., 2013). Além disso, as refeições podem se tornar momentos de grande ansiedade e conflito para a criança, a família e os cuidadores.

A Alimentação Comportamental como Ferramenta de Intervenção

A alimentação comportamental aplica princípios da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) para compreender e modificar comportamentos relacionados à alimentação. Essa abordagem individualizada e sistemática foca na identificação das variáveis ambientais que influenciam as escolhas alimentares e na implementação de estratégias para expandir o repertório alimentar e promover hábitos saudáveis (Ledford & Gast, 2016).

Estratégias e Técnicas da Alimentação Comportamental

Diversas técnicas comportamentais podem ser empregadas para abordar os desafios alimentares em indivíduos com TEA:

Reforçamento Positivo: Oferecer recompensas (elogios, pequenos brinquedos, atividades preferidas) quando a criança experimenta ou consome novos alimentos, mesmo que em pequenas quantidades (Cooper et al., 2020).

Modelagem: Um adulto ou colega demonstra o comportamento desejado, como experimentar um novo alimento, incentivando a imitação (Charlop-Christy et al., 2000).

Encadeamento (Chaining): Dividir o ato de comer um novo alimento em etapas menores e reforçar cada etapa sucessivamente. Por exemplo, primeiro tocar o alimento, depois cheirar, lamber e, finalmente, provar (Luiselli & Cameron, 1998).

Dessensibilização Sistemática: Expor gradualmente a criança ao alimento não preferido em um ambiente não ameaçador, utilizando os sentidos (visual, olfativo, tátil) antes da degustação (Williams et al., 2012).

Economia de Fichas: Implementar um sistema de recompensas simbólicas (fichas) que podem ser trocadas por reforçadores maiores quando um determinado número é acumulado ao experimentar ou comer alimentos-alvo (Ayres & Luiselli, 2007).

Contratos Comportamentais: Estabelecer acordos claros entre a criança e o cuidador sobre as expectativas alimentares e as recompensas por atingi-las (Homme, 1969).

Benefícios da Alimentação Comportamental para Pessoas com TEA

A implementação de intervenções baseadas na alimentação comportamental pode trazer inúmeros benefícios para indivíduos com TEA:

Melhora da Ingestão Nutricional: A expansão do repertório alimentar garante uma dieta mais equilibrada, essencial para o crescimento, desenvolvimento e funcionamento cognitivo (Dovey et al., 2014).

Redução de Comportamentos Problemáticos: A diminuição da ansiedade e da frustração associadas às refeições pode levar a uma redução de comportamentos disruptivos (Kern et al., 2007).

Aumento da Autonomia: Ao aprender a experimentar e aceitar uma variedade maior de alimentos, o indivíduo ganha mais independência nas escolhas alimentares.

Melhora da Qualidade de Vida: Refeições mais tranquilas e uma dieta mais diversificada contribuem para o bem-estar geral do indivíduo e de sua família (Rommel et al., 2003).

Impacto Positivo nas Interações Sociais: A aceitação de uma variedade maior de alimentos facilita a participação em eventos sociais que envolvem comida, como festas e idas a restaurantes.

Considerações Finais

A alimentação comportamental representa uma abordagem promissora para enfrentar os desafios alimentares em indivíduos com TEA. Ao compreender as bases comportamentais da seletividade alimentar e implementar estratégias individualizadas e baseadas em evidências, é possível promover uma relação mais saudável e prazerosa com a comida, impactando positivamente a saúde física, emocional e social dessas pessoas. A colaboração entre terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos e a família é fundamental para o sucesso das intervenções em alimentação comportamental.

Citações Bibliográficas:

Ayres, K. M., & Luiselli, J. K. (2007). Token economy programs for individuals with autism spectrum disorders: A comprehensive review. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37(5), 877-893.

Bandini, L. G., Cermak, S., Curtin, C., Dumont-Driscoll, M., Goldberg, R., Kelly, D. L., ... & Wasser, D. (2010). Feeding behaviors of children with autistic spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 40(2), 149-156.

Charlop-Christy, M. H., Le, L., & Freeman, K. A. (2000). A comparison of video modeling with in vivo modeling for teaching children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 30(6), 537-545.

Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (2020). Applied behavior analysis (3rd ed.). Pearson Education.

Dovey, T. M., Aldridge, V. G., & Staples, P. A. (2014). The relationship between picky eating and body mass index in children. Eating Behaviors, 15(1), 14-17.

Homme, L. E. (1969). How to use contingency contracting in the classroom. Research Press.

Kern, S., Miller, R. M., Evoy, M. E., & Lewin, A. B. (2007). Picky eating in children with autism spectrum disorders: A systematic review. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37(4), 613-619.

Ledford, J. R., & Gast, D. L. (2016). Single case research methodology: Applications in special education and behavioral sciences (3rd ed.). Routledge.

Luiselli, J. K., & Cameron, M. J. (1998). Behavioral parent training in the treatment of food refusal in children with developmental disabilities. Behavior Modification, 22(3), 299-319.

Rommel, T., Goddard, E. A., Chambers, A. J., Davies, P. S., & Meyer, R. (2003). Eating problems and gastrointestinal symptoms in children with autistic spectrum disorders: A systematic review. Developmental Medicine & Child Neurology, 45(2), 113-121.

Sharp, W. G., Berry, R. C., McCracken, C., Nuthall, E., & Marvel, S. (2013). Feeding problems and nutrient intake in children with autism spectrum disorders: A meta-analysis and systematic review. Journal of Autism and Developmental Disorders, 43(9), 2115-2129.

Williams, K. E., Field, D., Seiverling, L., & Klinnert, M. D. (2012). Intensive multidisciplinary intervention for pediatric feeding disorders: A 5-year follow-up. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, 55(5), 577-583.

Bibliografia:

American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.).

Carr, E. G., Levin, L., McConnachie, G., Carlson, J. I., Kemp, N. R., Smith, C. E., & Magito McLaughlin, D. (1994). Communication-based intervention for problem behavior: A user's guide for producing positive change. Brookes Publishing Co.

Kazdin, A. E. (2013). Behavior modification in applied settings (7th ed.). Waveland Press.

Martin, G., & Pear, J. (2015). Behavior modification: What it is and how to do it (10th ed.). Pearson Education.

Rimland, B. (1964). Infantile autism: The syndrome and its implications for a neural theory of behavior. Appleton-Century-Crofts.

Ricardo Santana

Neuropsicólogo

CRP15 0180

(82)99988.3001 

Maceió/AL


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