Girar o Corpo em Crianças com TEA: Compreendendo a Estereotipia e o Stimming

 


Girar o Corpo em Crianças com TEA: Compreendendo a Estereotipia e o Stimming

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) se manifesta de diversas formas, e um dos comportamentos frequentemente observados em crianças com essa condição é o ato de girar o próprio corpo. Esse movimento, que pode variar em intensidade e frequência, é conhecido como estereotipia ou stimming. Longe de ser uma simples "mania", o stimming é um comportamento autoestimulatório e repetitivo que desempenha funções importantes para o desenvolvimento e o bem-estar da criança autista.

O Que é Stimming?

O termo "stimming" deriva de "autoestimulação" e refere-se a qualquer comportamento repetitivo que o indivíduo realiza para regular seu sistema sensorial. Em crianças com TEA, as estereotipias podem ser de diversos tipos: desde balançar as mãos (flapping), repetir sons ou palavras (ecolalia), alinhar objetos, até o ato de girar o corpo. Esses comportamentos não são exclusivos do autismo; muitas pessoas neurotípicas também apresentam formas de stimming, como tamborilar os dedos, balançar as pernas ou morder a ponta da caneta, especialmente em momentos de nervosismo, concentração ou tédio. No entanto, em indivíduos com TEA, o stimming tende a ser mais frequente, intenso e pode, por vezes, interferir nas atividades diárias ou na interação social.

Por Que Crianças com TEA Giram o Corpo?

As razões por trás do comportamento de girar o corpo em crianças com TEA são complexas e multifacetadas, mas geralmente se encaixam em algumas categorias principais:

Lidar com a Sobrecarga Sensorial

O mundo é um lugar avassalador para muitas crianças com TEA. Elas podem ter sensibilidades sensoriais atípicas, o que significa que ruídos, luzes, texturas ou cheiros que para a maioria das pessoas são normais, para elas podem ser extremamente intensos e desconfortáveis. O ato de girar o corpo pode ser uma forma de autorregulação. Ao se movimentar de forma repetitiva e previsível, a criança pode estar tentando organizar e processar a enxurrada de informações sensoriais que está recebendo, criando um foco interno que a ajuda a lidar com o caos externo. É como se o movimento repetitivo criasse uma "bolha" de previsibilidade e segurança no ambiente sensorial.

Buscar Estímulos Sensoriais

Em contraste com a sobrecarga, algumas crianças com TEA podem ter uma hipossensibilidade a certos estímulos. Isso significa que elas precisam de uma quantidade maior de input sensorial para se sentir "conectadas" ao mundo. Girar o corpo, nesse contexto, pode ser uma forma de buscar intensos estímulos vestibulares (relacionados ao equilíbrio e ao movimento) que proporcionam a sensação de que precisam para se sentir mais presentes e alertas. Para essas crianças, a busca por estímulos pode ser tão importante quanto a evitação da sobrecarga para outras.

Conforto e Redução da Ansiedade

As estereotipias também podem funcionar como um mecanismo de conforto e alívio da ansiedade. O movimento repetitivo e previsível oferece uma sensação de segurança e familiaridade em um mundo que muitas vezes é imprevisível e fonte de estresse. Quando a criança se sente ansiosa, frustrada, feliz ou simplesmente entediada, o stimming pode ser uma forma de expressar e liberar essas emoções, proporcionando um senso de controle e estabilidade. É um comportamento que traz familiaridade e, consequentemente, tranquilidade.

Expressão de Emoções e Comunicação

Para algumas crianças com TEA, que podem ter dificuldades na comunicação verbal e não verbal, o stimming pode servir como uma forma de expressar emoções. Uma criança pode girar o corpo quando está extremamente feliz e empolgada, da mesma forma que pode fazê-lo quando está sobrecarregada ou frustrada. Observar o contexto em que o comportamento ocorre pode fornecer pistas valiosas sobre o estado emocional da criança e o que ela está tentando comunicar.

Quando o Stimming se Torna uma Preocupação?

Embora o stimming seja uma parte natural do funcionamento para muitas crianças com TEA e geralmente não precise ser suprimido, ele pode se tornar uma preocupação em algumas situações:

Segurança: Se o comportamento de girar o corpo representa um risco físico para a criança (quedas, colisões) ou para outras pessoas.

Interferência nas Atividades: Se o stimming impede a criança de participar de atividades educacionais, sociais ou de autocuidado.

Estigma Social: Se o comportamento é tão proeminente que causa isolamento social ou dificulta a inclusão da criança.

Nesses casos, é importante buscar orientação de profissionais especializados, como terapeutas ocupacionais, psicólogos ou fonoaudiólogos. Eles podem ajudar a identificar a função do stimming e a desenvolver estratégias para gerenciar o comportamento, como ensinar alternativas mais seguras ou socialmente aceitáveis, ou abordar as causas subjacentes (sensorial, ansiedade). O objetivo não é eliminar o stimming, mas sim garantir que ele não prejudique a qualidade de vida da criança.

A Importância da Compreensão e Aceitação

Compreender que o ato de girar o corpo em crianças com TEA é uma forma de autorregulação e comunicação é fundamental para pais, educadores e a sociedade em geral. Em vez de reprimir ou julgar esses comportamentos, é crucial adotar uma abordagem empática e de aceitação. Ao invés de perguntar "por que ele está fazendo isso?", podemos nos perguntar "o que ele está tentando me dizer ou o que ele precisa neste momento?".

Apoiar a criança com TEA significa criar um ambiente que respeite suas necessidades sensoriais e emocionais. Isso pode incluir adaptar o ambiente (diminuir ruídos, usar luzes mais suaves), oferecer alternativas sensoriais (brinquedos de apertar, pesos, balanços) e, acima de tudo, validar suas experiências. O stimming, incluindo o girar do corpo, é uma parte intrínseca de quem a criança é, e ao entendê-lo, podemos oferecer o suporte necessário para que ela se desenvolva e prospere em seu próprio ritmo e da sua própria maneira.

Ricardo Santana

Neuropsicólogo

CRP15 0180

(82)99988.3001 

Maceió/AL


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