Aspectos Psicológicos e suas relações com o Pé Diabético e a Úlcera Varicosa


Resumo: O pé diabético e a úlcera varicosa representam desafios clínicos significativos, frequentemente levando a complicações graves e impactando profundamente a qualidade de vida dos pacientes. Este artigo explora a complexa relação bidirecional entre aspectos psicológicos, como ansiedade, depressão, estresse e imagem corporal, e o desenvolvimento, progressão e manejo dessas condições crônicas. Evidências sugerem que o sofrimento psicológico pode exacerbar os resultados físicos, enquanto a doença física contribui para a sobrecarga mental. Uma compreensão holística e a integração de intervenções psicossociais são cruciais para otimizar os cuidados e melhorar os resultados dos pacientes.

Abstract: Diabetic foot and varicose ulcers pose significant clinical challenges, often leading to serious complications and profoundly impacting patients’ quality of life. This article explores the intricate bidirectional relationship between psychological aspects, such as anxiety, depression, stress, and body image, and the development, progression, and management of these chronic conditions. Evidence suggests that psychological distress can exacerbate physical outcomes, while physical illness contributes to mental burden. A holistic understanding and integration of psychosocial interventions are crucial to optimizing care and improving patient outcomes.

Palavras-chave: Pé diabético, úlcera varicosa, aspectos psicológicos, ansiedade, depressão, qualidade de vida, dor crônica, imagem corporal.

1. Introdução

O diabetes mellitus e a insuficiência venosa crônica são condições de saúde prevalentes que podem levar ao desenvolvimento de feridas crônicas nas extremidades inferiores: o pé diabético e a úlcera varicosa, respectivamente. Ambas as condições impõem uma carga substancial sobre os sistemas de saúde e, mais importante, sobre os indivíduos afetados. Além dos desafios físicos diretos, como dor, infecção e risco de amputação, a dimensão psicológica dessas doenças é frequentemente subestimada. Este artigo visa fornecer uma análise detalhada da intersecção entre fatores psicológicos e o pé diabético e a úlcera varicosa, destacando a necessidade de uma abordagem de cuidado integral.

2. Pé Diabético: A Carga Oculta do Sofrimento Psicológico

O pé diabético (PD) é uma complicação devastadora do diabetes, resultante da neuropatia e/ou doença arterial periférica, que predispõe a ulcerações, infecções e, em casos graves, amputações [1]. A ameaça constante de perda de um membro e a gestão contínua de feridas e dor têm um impacto psicológico profundo nos pacientes.

2.1. Ansiedade e Depressão

A prevalência de ansiedade e depressão em pacientes com pé diabético é significativamente maior do que na população geral e em diabéticos sem complicações no pé [2, 3]. A preocupação com a progressão da doença, o medo da amputação, a dor crônica e a dependência funcional contribuem para níveis elevados de estresse psicológico. A depressão, em particular, tem sido associada a uma menor adesão ao tratamento, má gestão da glicemia e um ciclo vicioso de piora da saúde física e mental [2, 4]. Pacientes com pé diabético frequentemente relatam distúrbios do sono, mobilidade prejudicada e interferência em aspectos da vida como sexualidade, acompanhados de sentimentos de solidão e desamparo [3].

2.2. Qualidade de Vida e Imagem Corporal

A presença de úlceras no pé diabético afeta drasticamente a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) do paciente, impactando negativamente suas atividades diárias, vida social e profissional [5, 6]. A dor, mesmo em pés neuropáticos, pode ser frequente e intensa, afetando o sono e as atividades cotidianas [5]. As alterações na imagem corporal, devido a úlceras visíveis, curativos ou amputações, podem gerar sentimentos de vergonha, isolamento social e baixa autoestima, reforçando os sentimentos de solidão e desamparo [7, 8].

3. Úlcera Varicosa: As Cicatrizes Invisíveis do Sofrimento Mental

A úlcera varicosa (UV) é uma ferida crônica que ocorre devido à insuficiência venosa nas pernas. Embora a etiologia seja diferente do pé diabético, o impacto psicológico nos pacientes é igualmente significativo.

3.1. Dor Crônica e Restrição Social

A dor crônica é uma característica proeminente da úlcera varicosa, contribuindo para insônia, irritabilidade e isolamento social [9]. A necessidade de curativos frequentes, exsudato e odor podem gerar constrangimento, limitando a participação em atividades sociais e profissionais [9]. O estresse e a ansiedade podem reduzir o limiar de dor e a tolerância, criando um ciclo vicioso de dor, estresse/ansiedade e agravamento da dor [10].

3.2. Impacto na Autonomia e Desesperança

A mobilidade reduzida e a dependência de cuidadores para o manejo da úlcera podem levar a sentimentos de perda de autonomia e desesperança [9]. Pacientes podem se sentir sobrecarregados pela cronicidade da condição e pela aparente falta de resolução, o que pode culminar em quadros de depressão e baixa autoestima [9, 11]. O impacto negativo se estende a todas as esferas da vida, incluindo a bio-psico-social-espiritual e socioeconômica [11].

4. Interconexões e Implicações para o Tratamento Holístico

A relação entre aspectos psicológicos e feridas crônicas é bidirecional. O sofrimento psicológico não é apenas uma consequência, mas também um fator que pode agravar a condição física, enquanto a condição física, por sua vez, exacerba o sofrimento mental [7, 10].

4.1. Impacto na Adesão ao Tratamento e Cicatrização

Pacientes com sintomas de depressão e ansiedade tendem a apresentar menor adesão às recomendações médicas, como controle glicêmico rigoroso, cuidados com os pés, uso de meias de compressão ou comparecimento a consultas de acompanhamento [2, 12]. Essa falta de adesão compromete a cicatrização das feridas e aumenta o risco de complicações. Além disso, o estresse crônico pode comprometer o sistema imunológico, dificultando a cicatrização de feridas [10].

4.2. A Importância da Avaliação e Intervenção Psicológica

É fundamental que a equipe de saúde realize uma avaliação psicológica abrangente em pacientes com pé diabético e úlcera varicosa. A identificação precoce de sintomas de ansiedade, depressão e outros distúrbios psicológicos permite a implementação de intervenções adequadas. Intervenções psicossociais, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), aconselhamento psicológico e, quando indicado, tratamento farmacológico, podem melhorar a adesão ao tratamento, acelerar a cicatrização e elevar a QVRS [12, 13]. O apoio social e emocional de familiares e amigos também desempenha um papel crucial na recuperação, ajudando a aliviar a solidão e o isolamento [7].

5. Conclusão

O pé diabético e a úlcera varicosa são condições crônicas que demandam uma abordagem de tratamento que transcenda o meramente físico. Os aspectos psicológicos desempenham um papel central na experiência do paciente, influenciando a adesão ao tratamento, a progressão da doença e a qualidade de vida. A integração do cuidado psicológico, através de avaliações regulares e intervenções direcionadas, é crucial para otimizar os resultados e promover um cuidado mais humano e eficaz. Uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, enfermeiros, podólogos, psicólogos e outros profissionais de saúde, é essencial para garantir um cuidado integral e abrangente.

Referências Bibliográficas

[1] Spampinato, T. B., et al. (2020). Diabetic foot ulcer: Pathophysiology and current treatment strategies. Frontiers in Endocrinology, 11, 574.

[2] McGloin, H., et al. (2021). Psychological interventions for patients with diabetes-related foot ulcers: A systematic review. Cochrane Database of Systematic Reviews, (6), CD013098.

[3] Abd-Elmoghith, A. R. (2022). Psychological Aspects of Patients with Diabetic Neuropathic Foot. Egyptian Journal of Hospital Medicine, 88(1), 2608-2615.

[4] Al-Amer, R., et al. (2018). Anxiety and Depression Among Adult Patients With Diabetic Foot: Prevalence and Associated Factors. Patient Preference and Adherence, 12, 497-505.

[5] Carrington, A. L., et al. (1996). Quality of life in patients with diabetic foot ulcers: validation of the Cardiff Wound Impact Schedule in a Canadian population. Wounds UK, 2(4), 11-17.

[6] Ibrahim, A. M. (2020). The Quality of Life in Patients with Diabetic Foot Ulcers. Journal of Medical and Health Sciences, 9(1), 3-11.

[7] Angel City Research. (n.d.). The Psychological Toll of Diabetic Foot Ulcers on Patients. Retrieved from https://angelcityresearch.com/the-psychological-toll-of-diabetic-foot-ulcers-on-patients/

[8] Skilled Wound Care. (2024). Mental Health Support for Wound Care Patients. Retrieved from https://www.skilledwoundcare.com/post/mental-health-support-for-wound-care-patients

[9] Lindholm, C., & Bjellerup, M. (2014). The impact of chronic venous leg ulcers: A systematic review. International Wound Journal, 11(6), 689-696.

[10] Jones, J. E., et al. (2006). Wound-related pain: anxiety, stress and wound healing. Wounds UK, 2(4), 60-66.

[11] Bezerra, V. E. A., et al. (2021). Impact of venous ulcers on patients' quality of life: an integrative review. Revista Brasileira de Enfermagem, 74(3), e20200508.

[12] Cochrane Library. (2021). Limited psychological interventions for patients with DFU and the need for more robust studies. Retrieved from https://hrbopenresearch.org/articles/7-18 (Referência indireta, citando revisão Cochrane sobre DFU)

[13] Schumann, M. (2016). Psychosomatic Aspects of Chronic Wounds. Wound Management and Prevention, 62(12), 16-20.

Ricardo Santana, Neuropsicólogo, CRP15 0180, (82)99988-2025, Maceió/AL 

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