Lipedema e fatores psicológicos
Lipedema e Fatores Psicológicos
O lipedema é uma doença crônica do tecido adiposo caracterizada pelo acúmulo desproporcional de gordura, principalmente nas pernas e braços, poupando pés e mãos. Além das manifestações físicas, como dor, inchaço e sensibilidade ao toque, é crescente o reconhecimento da intrínseca relação entre o lipedema e os fatores psicológicos. Este artigo científico explora essa conexão bidirecional, investigando como o lipedema pode impactar a saúde mental e, por sua vez, como aspectos psicológicos podem influenciar a progressão e o manejo da doença.
Impacto Psicológico do Lipedema
A natureza visível e muitas vezes incompreendida do lipedema contribui significativamente para o sofrimento psicológico das pacientes. O corpo desproporcional pode levar a uma série de desafios emocionais:
Baixa Autoestima e Imagem Corporal Distorcida: A disparidade entre a parte superior e inferior do corpo, ou entre as extremidades afetadas e as não afetadas, frequentemente resulta em uma imagem corporal negativa. Isso pode gerar sentimentos de vergonha, constrangimento e isolamento social, com muitas pacientes relatando evitar situações onde seus corpos seriam expostos (praias, piscinas).
Depressão e Ansiedade: A dor crônica, a dificuldade em encontrar roupas adequadas, a falta de reconhecimento da doença por profissionais de saúde e a frustração com tratamentos ineficazes são fatores que contribuem para o desenvolvimento de quadros de depressão e ansiedade. Estudos têm demonstrado uma prevalência significativamente maior de transtornos do humor em pacientes com lipedema em comparação com a população geral.
Isolamento Social: O estigma associado ao lipedema, muitas vezes confundido com obesidade simples, leva ao julgamento e à falta de compreensão. Isso pode fazer com que as pacientes se isolem, evitem eventos sociais e restrinjam suas interações para evitar comentários ou olhares críticos.
Transtornos Alimentares: Em uma tentativa de controlar o peso e a distribuição de gordura, algumas pacientes com lipedema podem desenvolver padrões alimentares disfuncionais ou transtornos alimentares. É fundamental diferenciar a gordura do lipedema da gordura nutricional, e a restrição calórica severa geralmente não afeta as áreas acometidas pelo lipedema, gerando ainda mais frustração.
Fadiga Psicológica: Lidar com a dor constante, as limitações físicas e a batalha contínua para obter um diagnóstico e tratamento adequados pode levar a uma fadiga psicológica exaustiva.
Fatores Psicológicos que Influenciam o Lipedema
Embora o lipedema seja uma condição física, é plausível que fatores psicológicos também possam desempenhar um papel na sua manifestação, progressão ou na forma como a paciente lida com a doença. Embora a pesquisa nessa área ainda esteja em andamento, algumas hipóteses incluem:
Estresse Crônico: O estresse crônico tem sido associado a processos inflamatórios no corpo e a disfunções hormonais, que teoricamente poderiam exacerbar os sintomas do lipedema ou influenciar a forma como o corpo armazena gordura. No entanto, mais estudos são necessários para estabelecer uma correlação direta.
Mecanismos de Coping: A forma como uma paciente lida com o estresse e a dor crônica pode influenciar sua adesão ao tratamento e sua qualidade de vida. Mecanismos de coping desadaptativos podem levar a um agravamento do quadro clínico.
Percepção da Dor: A dor no lipedema é multifatorial. Fatores psicológicos, como ansiedade e depressão, podem modular a percepção da dor, aumentando sua intensidade e o sofrimento associado.
Impacto na Adesão ao Tratamento: O estado psicológico da paciente é crucial para a adesão a longo prazo aos tratamentos conservadores, como terapia de compressão, drenagem linfática e exercícios físicos. Pacientes com alta carga de estresse ou depressão podem ter maior dificuldade em manter a rotina de cuidados.
Abordagem Multidisciplinar: A Necessidade Urgente
Dada a complexidade da relação entre o lipedema e os fatores psicológicos, uma abordagem multidisciplinar é fundamental para o manejo eficaz da doença. Isso inclui:
Avaliação e Suporte Psicológico: A inclusão de psicólogos na equipe de tratamento é essencial para identificar e tratar transtornos do humor, melhorar a imagem corporal, desenvolver mecanismos de coping saudáveis e fornecer apoio emocional.
Educação do Paciente: Informar as pacientes sobre a natureza do lipedema, desmistificando a confusão com a obesidade e explicando a cronicidade da doença, pode reduzir a auto-culpa e a frustração, empoderando-as a buscar o tratamento adequado.
Grupos de Apoio: A interação com outras pessoas que enfrentam desafios semelhantes pode ser extremamente benéfica, promovendo um senso de comunidade, reduzindo o isolamento e compartilhando estratégias de enfrentamento.
Manejo da Dor: Estratégias eficazes para o manejo da dor, que podem incluir fisioterapia, terapia ocupacional e, em alguns casos, medicação, são cruciais para melhorar a qualidade de vida e reduzir o impacto psicológico da dor crônica.
Consideração de Fatores Estressores: A equipe de saúde deve estar atenta aos fatores estressores na vida da paciente e, quando possível, oferecer orientações ou encaminhamentos para lidar com eles.
Conclusão
O lipedema é mais do que uma condição física; é uma doença com profundas ramificações psicológicas. O sofrimento emocional, a baixa autoestima, a depressão e a ansiedade são companheiros frequentes das pacientes com lipedema, impactando diretamente sua qualidade de vida e a adesão ao tratamento. Reconhecer e abordar esses fatores psicológicos de forma proativa, por meio de uma equipe multidisciplinar e de um cuidado centrado na paciente, é imperativo para otimizar os resultados do tratamento e melhorar significativamente o bem-estar geral das pessoas afetadas por esta condição complexa. A pesquisa contínua sobre a interação entre os aspectos físicos e psicológicos do lipedema é crucial para desenvolver intervenções mais eficazes e abrangentes.
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Ricardo Santana, Neuropsicólogo, CRP15 0180, (82)99988-3001
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