TDAH
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, manifestando-se desde a infância e, muitas vezes, persistindo na vida adulta. Caracterizado por um padrão persistente de desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade, o TDAH impacta diversas esferas da vida do indivíduo, desde o desempenho acadêmico e profissional até as relações sociais e a saúde mental. No Brasil, o entendimento e o manejo do TDAH têm avançado, mas ainda enfrentam desafios relacionados ao diagnóstico, tratamento e, principalmente, à percepção social.
O Que é o TDAH? Desatenção, Hiperatividade e Impulsividade
O TDAH não é uma "falta de vontade" ou um traço de personalidade. Ele é um transtorno do neurodesenvolvimento, o que significa que há diferenças na forma como o cérebro processa informações e regula o comportamento. As principais características podem ser agrupadas em três domínios, embora cada indivíduo possa apresentar uma combinação e intensidade diferentes delas:
Desatenção: Dificuldade em manter o foco em tarefas ou atividades, cometer erros por falta de atenção aos detalhes, ter problemas para organizar tarefas, perder objetos com frequência e ser facilmente distraído por estímulos externos. No contexto escolar, isso pode se manifestar como dificuldade em copiar do quadro ou em seguir instruções complexas.
Hiperatividade: Inquietação excessiva, dificuldade em permanecer sentado, falar em demasia, correr ou escalar em situações inapropriadas. Em adultos, a hiperatividade pode se manifestar como uma sensação de inquietação interna ou necessidade constante de estar em movimento.
Impulsividade: Agir sem pensar nas consequências, interromper os outros, ter dificuldade em esperar sua vez, e tomar decisões precipitadas. Isso pode levar a situações de risco ou problemas nas interações sociais.
É importante ressaltar que a presença isolada de um ou outro desses comportamentos não configura o diagnóstico de TDAH. Tais comportamentos devem ser persistentes, inconsistentes com o nível de desenvolvimento da pessoa, e causar prejuízo significativo em pelo menos dois ambientes (por exemplo, casa e escola/trabalho).
Diagnóstico no Contexto Brasileiro: Desafios e Avanços
O diagnóstico do TDAH é clínico, feito por profissionais de saúde qualificados, como médicos (neurologistas, psiquiatras) e psicólogos. No Brasil, a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) e outras instituições têm desempenhado um papel crucial na disseminação de informações e na capacitação de profissionais para um diagnóstico mais preciso. No entanto, o processo ainda enfrenta desafios.
Um dos maiores desafios é a subdiagnóstico ou o diagnóstico tardio, especialmente em meninas, cujos sintomas de TDAH podem ser mais internalizados (desatenção sem hiperatividade evidente) e, portanto, menos perceptíveis. Por outro lado, há também o risco do superdiagnóstico ou da medicalização excessiva de comportamentos normais da infância, o que reforça a importância de uma avaliação multidisciplinar cuidadosa.
Conforme aponta a pesquisa e as diretrizes brasileiras, a avaliação deve incluir a coleta de histórico detalhado, observação do comportamento, e o uso de escalas e questionários padronizados, além da exclusão de outras condições que possam mimetizar os sintomas do TDAH (Rohde & Halpern, 2004).
Tratamentos e Estratégias de Manejo: Abordagens Integradas
O tratamento do TDAH é multimodal, o que significa que envolve uma combinação de abordagens para otimizar os resultados. As principais modalidades incluem:
Medicação: Os medicamentos estimulantes (como metilfenidato e lisdexanfetamina) são frequentemente os mais eficazes na redução dos sintomas nucleares do TDAH. Eles atuam regulando os níveis de neurotransmissores no cérebro. É fundamental que a medicação seja prescrita e acompanhada por um médico.
Psicoterapia: A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma das abordagens mais utilizadas. Ela ajuda o indivíduo a desenvolver estratégias para gerenciar seus sintomas, melhorar a organização, a impulsividade, a atenção e a resolver problemas (Barkley, 2002). A TCC também pode abordar comorbidades como ansiedade e depressão.
Apoio Psicopedagógico e Educacional: Para crianças e adolescentes, o suporte na escola é vital. Estratégias como assentos preferenciais, tempo extra para provas, instruções claras e divididas em etapas, e uso de recursos visuais podem fazer uma grande diferença. A formação de professores para lidar com alunos com TDAH é um tema crescente no Brasil.
Orientações para Pais e Familiares: Educar os pais sobre o TDAH e fornecer estratégias de manejo comportamental em casa é crucial para criar um ambiente de apoio e estrutura para a criança ou adolescente.
TDAH e Comorbidades: A Complexidade do Quadro
É muito comum que o TDAH coexista com outras condições psiquiátricas, as chamadas comorbidades. As mais frequentes incluem transtornos de ansiedade, depressão, transtorno opositor desafiador (TOD), transtorno de conduta e transtornos de aprendizagem, como dislexia. O tratamento dessas comorbidades é essencial para o bem-estar geral do indivíduo e muitas vezes requer uma abordagem integrada e personalizada. A presença de comorbidades pode dificultar o diagnóstico e o tratamento, tornando a avaliação multidisciplinar ainda mais importante (Mattos, 2007).
Impacto na Educação e Vida Adulta: Desafios e Potencialidades
Na esfera educacional, o TDAH pode levar a dificuldades de aprendizado, baixo desempenho escolar e problemas de comportamento. No entanto, com o apoio adequado, alunos com TDAH podem prosperar. A inclusão efetiva nas escolas brasileiras, pautada na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), é um pilar para garantir que esses estudantes recebam o suporte necessário.
Em adultos, o TDAH não tratado pode resultar em dificuldades no trabalho, problemas de relacionamento, maior risco de acidentes e uso de substâncias. No entanto, muitos adultos com TDAH desenvolvem estratégias compensatórias e, quando bem manejado, o TDAH pode até estar associado a traços positivos como criatividade, pensamento divergente e capacidade de hiperfoco em áreas de interesse (Nunes, 2009). O reconhecimento do TDAH em adultos é uma área que tem ganhado mais atenção no Brasil nos últimos anos.
A Percepção Social e o Estigma no Brasil
Apesar dos avanços científicos, o TDAH ainda enfrenta um considerável estigma social no Brasil. Muitas vezes, é visto erroneamente como "falta de disciplina", "preguiça" ou um "problema de criação", o que leva à culpabilização dos pais e à incompreensão das dificuldades enfrentadas pelos indivíduos com o transtorno. A desinformação contribui para preconceitos e barreiras no acesso ao diagnóstico e tratamento adequados. Campanhas de conscientização e a divulgação de informações baseadas em evidências são fundamentais para combater esse estigma e promover uma maior aceitação e apoio.
Considerações Finais
O TDAH é um transtorno complexo, mas compreendê-lo é o primeiro passo para oferecer o suporte necessário. No Brasil, o campo de estudo e o desenvolvimento de estratégias de intervenção para o TDAH estão em constante evolução. É fundamental que o público em geral tenha acesso a informações claras e baseadas em evidências para desmistificar o transtorno, combater o estigma e garantir que aqueles que necessitam de apoio possam buscá-lo sem hesitação. A colaboração entre famílias, educadores e profissionais de saúde é a chave para promover um futuro mais inclusivo e promissor para as pessoas com TDAH.
Referências Bibliográficas
Barkley, R. A. (2002). Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH): Manual para Diagnóstico e Tratamento. Artmed.
Mattos, P. (2007). No Mundo da Lua: Quase Tudo que Você Queria Perguntar Sobre TDAH. LGE Editora.
Nunes, M. L. T. (2009). TDAH na Adolescência e Idade Adulta. Artmed.
Rohde, L. A., & Halpern, R. (2004). Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade: Atualização e Perspectivas. Artmed.
Ricardo Santana, Neuropsicólogo, CRP15 0180, (82)99988-3001, Maceió/AL
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