Avaliação de TDAH em crianças, adolescentes e adultos

A avaliação diagnóstica do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um processo clínico exigente, que requer uma abordagem integrada, multidimensional e preferencialmente multiprofissional. Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por sintomas persistentes de desatenção, hiperatividade e impulsividade, com início na infância e potencial para se prolongar até a vida adulta. Por sua natureza heterogênea, multifatorial e frequentemente comórbida, o diagnóstico do TDAH deve considerar aspectos como o nível de desenvolvimento, o contexto familiar, escolar e ocupacional, as habilidades cognitivas e emocionais, bem como fatores culturais e ambientais.

Avaliação em Crianças

A identificação precoce do TDAH é crucial para prevenir prejuízos duradouros no desenvolvimento escolar, emocional e social da criança. Os primeiros sinais costumam emergir ainda na educação infantil, especialmente em contextos que exigem autorregulação e atenção sustentada. Dificuldades como não conseguir permanecer sentado, interromper os outros com frequência, esquecer instruções simples, perder objetos e não conseguir finalizar tarefas são indícios comuns.

A avaliação diagnóstica em crianças requer uma anamnese minuciosa com os pais ou cuidadores, investigação dos marcos do desenvolvimento neuropsicomotor e análise detalhada do comportamento da criança em diferentes contextos. Escalas de rastreio como o SNAP-IV, o CBCL (Child Behavior Checklist), o Conners e o SDQ (Strengths and Difficulties Questionnaire) são instrumentos frequentemente utilizados como parte da triagem inicial. Observações escolares e relatos de professores são especialmente relevantes, dada a exigência acadêmica e social típica dessa fase.

É importante que a avaliação envolva diferentes profissionais, como psicólogos, neuropediatras, psiquiatras infantis e pedagogos. A abordagem neuropsicológica pode ser indicada para investigar funções executivas, memória de trabalho, atenção seletiva e inibição comportamental, auxiliando não apenas no diagnóstico, mas também no planejamento de intervenções educacionais e terapêuticas. Além disso, é fundamental realizar o diagnóstico diferencial com outras condições, como transtornos de aprendizagem, ansiedade, depressão e alterações do espectro autista.

Avaliação em Adolescentes

A adolescência é um período de profundas transformações cognitivas, emocionais e sociais, o que pode tornar a avaliação do TDAH mais complexa. Muitos adolescentes, especialmente aqueles com funcionamento intelectual preservado, conseguem desenvolver estratégias compensatórias, mascarando parcialmente os sintomas. Outros, por sua vez, apresentam aumento da impulsividade, da desorganização e da desmotivação escolar, o que pode agravar o desempenho acadêmico e as relações interpessoais.

Nessa fase, o TDAH pode se expressar por meio de comportamentos de risco, procrastinação crônica, instabilidade emocional e dificuldades em gerenciar o tempo e as responsabilidades crescentes. É comum o surgimento de comorbidades, como transtornos de ansiedade, depressão, uso de substâncias psicoativas e baixa autoestima.

A avaliação deve respeitar a autonomia do adolescente, envolvendo-o ativamente no processo diagnóstico. Entrevistas clínicas específicas para essa faixa etária, escalas adaptadas (como o ASRS - Adult ADHD Self-Report Scale, versão para adolescentes) e testes neuropsicológicos podem ser empregados. A escuta cuidadosa dos pais, dos educadores e do próprio adolescente é essencial para captar a complexidade do quadro clínico, evitando rótulos reducionistas ou interpretações patologizantes de comportamentos típicos da adolescência.

Avaliação em Adultos

O diagnóstico de TDAH em adultos é frequentemente tardio e pode surgir como resultado de um histórico prolongado de dificuldades em múltiplas esferas da vida: acadêmica, profissional, social e afetiva. Muitos adultos procuram avaliação após vivenciarem repetidas frustrações, falhas organizacionais, instabilidade no trabalho ou relacionamentos conflituosos. Outros chegam à avaliação após receberem diagnósticos equivocados, como transtorno de personalidade, ansiedade generalizada ou depressão resistente ao tratamento.

Em adultos, os sintomas de hiperatividade tendem a ser mais internalizados, manifestando-se como inquietação mental, impulsividade verbal ou dificuldade em relaxar. A desatenção, por sua vez, pode comprometer significativamente a gestão de tarefas cotidianas, o planejamento de longo prazo e a tomada de decisões. O sofrimento subjetivo costuma ser relevante e sustentado por um sentimento crônico de inadequação ou fracasso.

A avaliação diagnóstica nessa fase depende fortemente de uma entrevista clínica aprofundada, com foco na trajetória desde a infância, mesmo que o paciente não tenha sido formalmente diagnosticado em fases anteriores da vida. A presença de sintomas desde os primeiros anos de vida é um critério indispensável para o diagnóstico de TDAH na idade adulta. Instrumentos como o ASRS, o WURS (Wender Utah Rating Scale) e baterias neuropsicológicas para funções executivas são recursos úteis, embora devam ser interpretados dentro de um contexto clínico mais amplo.

A investigação de comorbidades, especialmente depressão, transtornos ansiosos, transtorno bipolar e uso de substâncias, é essencial. Além disso, a avaliação deve considerar aspectos de gênero, dado que mulheres frequentemente apresentam quadros menos típicos, com sintomas mais internalizados e maior camuflagem comportamental, o que pode dificultar o diagnóstico.

A avaliação do TDAH não se resume a uma listagem de sintomas comportamentais, mas requer uma compreensão ampla do funcionamento do sujeito em seu contexto de vida. Trata-se de um processo que integra múltiplas fontes de informação – entrevistas clínicas, questionários padronizados, observações, desempenho acadêmico ou ocupacional – para compor um retrato fiel e humanizado do indivíduo.

É fundamental que o diagnóstico seja realizado com responsabilidade ética, evitando tanto a medicalização indevida quanto a negligência diagnóstica. A avaliação deve ser comunicada com clareza e empatia, considerando os recursos, as potencialidades e as necessidades específicas de cada pessoa. O TDAH, embora possa causar prejuízos significativos, é também uma condição passível de manejo clínico eficaz, desde que devidamente compreendida, acolhida e acompanhada ao longo do tempo.

Ricardo Santana, Neuropsicólogo, CRP15 0180, (82)99988-3001, Maceió/AL

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