TEA em Adultos


O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por dificuldades na comunicação social, padrões restritos de comportamento e interesses repetitivos. Embora historicamente associado à infância, o TEA também está presente na vida adulta, muitas vezes de forma subdiagnosticada. Este escrito tem como objetivo discutir as manifestações do TEA em adultos, as dificuldades no diagnóstico tardio, as comorbidades frequentes, os aspectos do tratamento e os desafios psicossociais enfrentados por essa população. O texto se fundamenta em publicações científicas e diretrizes brasileiras, contribuindo para uma compreensão mais abrangente do tema no contexto adulto.

Durante décadas, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi compreendido quase exclusivamente sob a ótica do desenvolvimento infantil. Contudo, com o avanço das pesquisas e o alargamento dos critérios diagnósticos, tornou-se evidente que o TEA persiste ao longo da vida e que muitos adultos permanecem sem diagnóstico ou são diagnosticados tardiamente (BRASIL, 2023; APA, 2014). Em adultos, o quadro pode manifestar-se de maneira atenuada ou camuflada, o que dificulta sua identificação clínica, especialmente em indivíduos com inteligência média ou acima da média.

O diagnóstico do TEA em adultos é desafiador. Muitos adultos não foram diagnosticados na infância devido à menor sensibilidade da sociedade e da comunidade médica para sinais sutis do espectro. Além disso, adultos com TEA geralmente desenvolveram estratégias de camuflagem, como imitação de comportamentos sociais e roteirização de interações, dificultando a percepção do transtorno por familiares e profissionais (CUNHA & BARBOSA, 2021).

Segundo o DSM-5 (APA, 2014), os critérios diagnósticos permanecem os mesmos para todas as faixas etárias, mas é necessário considerar o histórico do desenvolvimento e a adaptação às demandas da vida adulta. Instrumentos como o Autism Spectrum Quotient (AQ) e entrevistas clínicas baseadas em critérios do DSM-5 são frequentemente utilizados no processo avaliativo.

As manifestações do TEA em adultos variam amplamente, mas geralmente incluem dificuldades de reciprocidade social, rigidez cognitiva, hipersensibilidades sensoriais, dificuldades com mudanças de rotina e interesse por temas restritos. Indivíduos com TEA podem ter dificuldades em compreender normas sociais implícitas, manter relacionamentos afetivos e profissionais estáveis, além de apresentar elevado nível de ansiedade em contextos sociais (MENDES & BOSA, 2019).

Além disso, as mulheres com TEA frequentemente são subdiagnosticadas ou diagnosticadas com outras condições, como transtornos de personalidade ou depressão, devido a diferenças na expressão clínica e à maior capacidade de camuflagem social (BRUGNARO & ASSUMPÇÃO, 2020).

Estudos indicam que adultos com TEA frequentemente apresentam comorbidades psiquiátricas, incluindo transtornos de ansiedade, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). A presença de comorbidades pode mascarar os sintomas centrais do TEA e atrasar ainda mais o diagnóstico (CUNHA et al., 2020).

Também há relatos de maior risco de uso abusivo de substâncias, ideação suicida e tentativas de suicídio entre adultos com TEA não diagnosticados ou sem suporte psicossocial adequado (MURRAY et al., 2019).

O tratamento do TEA em adultos deve ser individualizado e multiprofissional. Intervenções psicoterapêuticas, especialmente aquelas com foco em habilidades sociais, regulação emocional e estratégias de enfrentamento, são indicadas. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem sido amplamente utilizada com bons resultados na redução de sintomas ansiosos e depressivos associados ao TEA (SILVA & CUNHA, 2022).

Além disso, a orientação profissional e o suporte no ambiente de trabalho são fundamentais. Muitos adultos com TEA enfrentam dificuldades na inserção ou manutenção no mercado de trabalho devido a barreiras sociais, sensoriais ou estruturais.

O estigma social e a falta de compreensão sobre o TEA em adultos ainda representam um obstáculo importante. Muitos adultos com TEA relatam sentimentos de inadequação, exclusão e frustração por não compreenderem suas dificuldades antes do diagnóstico. O diagnóstico tardio, por outro lado, costuma ser experienciado como uma forma de alívio e autoentendimento, apesar dos desafios que persistem (OLIVEIRA & BOSA, 2020).

É fundamental promover a inclusão social, o respeito à neurodiversidade e a criação de políticas públicas voltadas também à população adulta com TEA, considerando suas necessidades específicas em áreas como saúde, trabalho, moradia e lazer.

O Transtorno do Espectro Autista em adultos é uma realidade frequentemente invisibilizada pela sociedade e pelos sistemas de saúde. O diagnóstico precoce é importante, mas o diagnóstico tardio pode representar uma oportunidade de reinterpretação da própria história e melhoria da qualidade de vida. Há uma necessidade urgente de capacitação profissional, ampliação do acesso ao diagnóstico e intervenção adequada para adultos com TEA, além de maior investimento em pesquisa científica sobre o tema no Brasil.

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção à Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo. Brasília: MS, 2023.

BRUGNARO, L. I. A.; ASSUMPÇÃO Jr., F. B. Autismo feminino: diferenças na manifestação clínica e diagnóstico. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 42, n. 3, p. 260–267, 2020.

CUNHA, G. R.; BARBOSA, M. R. M. Transtorno do Espectro Autista em adultos: desafios do diagnóstico tardio. Psicologia em Revista, v. 27, n. 2, p. 345-360, 2021.

CUNHA, G. R. et al. Comorbidades psiquiátricas em adultos com TEA: uma revisão narrativa. Revista de Psiquiatria Clínica, v. 47, n. 1, p. 12-18, 2020.

MENDES, E. C.; BOSA, C. A. Habilidades sociais em adultos com TEA: implicações para a qualidade de vida. Psicologia: Teoria e Prática, v. 21, n. 1, p. 38–49, 2019.

MURRAY, F. et al. Autism and Suicide in Adults: Systematic Review and Meta-Analysis. Autism Research, v. 12, n. 4, p. 517–531, 2019.

OLIVEIRA, F. A.; BOSA, C. A. A vivência do diagnóstico de autismo na idade adulta. Psicologia USP, v. 31, p. e190137, 2020.

SILVA, L. A. & CUNHA, M. A. Terapias baseadas em evidências para adultos com TEA. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 18, n. 2, p. 134-141, 2022.

Ricardo Santana, Neuropsicólogo, CRP15 0180, (82)99988-3001, Maceió/AL

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