TEA em Adultos Não Diagnosticados: Sintomas Comuns e a Importância da Avaliação Neuropsicológica Tardia


O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por dificuldades persistentes na comunicação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Embora frequentemente diagnosticado na infância, muitos indivíduos chegam à idade adulta sem um diagnóstico formal, especialmente os que apresentam sinais mais sutis ou que desenvolveram estratégias compensatórias ao longo da vida. Essa ausência de diagnóstico pode acarretar prejuízos emocionais, sociais e ocupacionais importantes.

Sintomas Comuns em Adultos com TEA Não Diagnosticado

Adultos com TEA não diagnosticado podem apresentar uma série de sinais que, embora não necessariamente incapacitantes de forma evidente, impactam profundamente seu bem-estar e funcionamento diário. Entre os sintomas mais frequentemente relatados, destacam-se:

  1. Dificuldades de comunicação social: Muitas vezes, esses adultos relatam sensação de inadequação em interações sociais, dificuldade em compreender normas implícitas de convivência, interpretar ironias, metáforas ou expressões faciais. Evitar ou temer situações sociais é comum.
  2. Sensibilidade sensorial exacerbada: Hipersensibilidades a ruídos, luzes, cheiros, texturas e sabores podem estar presentes e são frequentemente mal compreendidas tanto pelo indivíduo quanto pelos outros, sendo confundidas com “frescuras” ou “mania”.
  3. Rigidez cognitiva e comportamental: Podem demonstrar forte apego a rotinas, resistência a mudanças e dificuldade em lidar com imprevistos. Mudanças no ambiente ou nos planos podem causar intensa ansiedade.
  4. Interesses restritos ou hiperfocados: Muitos adultos com TEA dedicam-se intensamente a áreas de interesse específicas, com um nível de detalhamento que pode impressionar. Essas áreas, por vezes, tornam-se fonte de prazer e de identidade, mas também podem limitar a flexibilidade em outras áreas da vida.
  5. Desregulação emocional: Crises de ansiedade, irritabilidade e sentimentos de sobrecarga emocional frequentes são comuns. Em muitos casos, isso é confundido com transtornos de humor, ansiedade ou transtorno de personalidade.
  6. Sensação crônica de inadequação ou exaustão social: O esforço constante para “se ajustar” às exigências sociais pode levar à chamada fadiga do mascaramento — exaustão decorrente de tentar imitar comportamentos neurotípicos, gerando estresse e esgotamento mental.
  7. Histórico de diagnósticos equivocados: Muitos adultos com TEA não diagnosticado anteriormente receberam diagnósticos como Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Personalidade Esquiva, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) ou depressão — condições que podem coexistir com o TEA, mas que não explicam sua totalidade.

A Importância da Avaliação Neuropsicológica em Adultos

A avaliação neuropsicológica em adultos com suspeita de TEA, ainda que tardia, tem um papel fundamental no reconhecimento da condição e na reconfiguração da compreensão do self. Trata-se de um processo clínico que investiga funções cognitivas (atenção, memória, linguagem, funções executivas), padrões de comportamento, história de vida e funcionamento adaptativo.

Dentre os benefícios da avaliação destacam-se:

  1. Validação da experiência subjetiva: Muitos adultos vivem anos sem entender por que se sentem diferentes ou têm dificuldades em áreas nas quais os outros parecem se adaptar com facilidade. Receber um diagnóstico pode trazer alívio e explicações coerentes para essas vivências.
  2. Planejamento de intervenções adequadas: Compreender o funcionamento neurocognitivo permite elaborar estratégias individualizadas de manejo emocional, organização da rotina, e suporte psicoterapêutico adequado, muitas vezes com foco no desenvolvimento de habilidades sociais e autorregulação.
  3. Reorientação da identidade: O diagnóstico tardio pode ajudar o indivíduo a reelaborar narrativas pessoais marcadas por culpa, vergonha ou frustração, permitindo uma nova leitura de sua história à luz da neurodiversidade.
  4. Redução do sofrimento psíquico: Ao entender as causas de seus desafios, o adulto com TEA pode acessar intervenções mais efetivas e cessar tentativas frustradas de se adaptar a padrões que não correspondem ao seu modo de funcionamento.
  5. Inclusão e direitos: O diagnóstico pode abrir portas para adaptações em contextos de trabalho, acesso a benefícios legais e participação em políticas de inclusão voltadas a pessoas com deficiência.

Considerações Finais

O reconhecimento do TEA na vida adulta, mesmo que tardiamente, é um passo importante para a promoção de saúde mental, qualidade de vida e pertencimento. A avaliação neuropsicológica se mostra uma ferramenta indispensável nesse processo, pois permite não apenas identificar o espectro autista, mas também compreender as nuances de funcionamento cognitivo, emocional e adaptativo do indivíduo.

A sociedade e os profissionais de saúde mental devem estar atentos aos sinais sutis de TEA em adultos e considerar essa hipótese diagnóstica mesmo diante de trajetórias que não incluíram essa possibilidade na infância. Afinal, é sempre tempo de compreender a si mesmo com mais clareza, empatia e dignidade.

Estudo de Caso Clínico: Diagnóstico Tardio de TEA em Adulto com Histórico de Ansiedade

Identificação:

Carlos*, 39 anos, engenheiro de software, casado, sem filhos. (*Nome fictício para preservar identidade.)

Queixa principal:

Dificuldade em lidar com mudanças no trabalho, cansaço extremo após interações sociais, e crises recorrentes de ansiedade.

Histórico:

Carlos havia sido diagnosticado anteriormente com Transtorno de Ansiedade Generalizada e depressão leve. Apesar de tratamento farmacológico e psicoterapia, as queixas persistiam. Relatava desde a infância hipersensibilidade a sons, preferências por rotinas rígidas, e intensa dificuldade de socialização, embora mantivesse desempenho acadêmico elevado. Desenvolveu estratégias de mascaramento que o ajudaram a “parecer normal”, mas às custas de exaustão constante.

Avaliação Neuropsicológica:

Aplicou-se uma bateria com foco em funções executivas, memória, linguagem e atenção. Os resultados mostraram:

  1. Funções cognitivas preservadas com perfil alto funcionamento;
  2. Déficit leve de flexibilidade cognitiva (Torre de Londres, Wisconsin Card Sorting Test);
  3. Desempenho abaixo do esperado em tarefas de teoria da mente e empatia cognitiva (Faux Pas Test; Reading the Mind in the Eyes);
  4. Indicadores qualitativos consistentes com padrões autísticos em entrevistas e observações clínicas.

Conclusão Diagnóstica:

Com base nos critérios do DSM-5 e nos achados clínicos e psicométricos, foi feito o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista — nível 1 de suporte, com início precoce e identificação tardia.

Intervenção Recomendada:

  1. Psicoeducação sobre TEA;
  2. Terapia cognitivo-comportamental adaptada ao perfil neurodivergente;
  3. Grupos de apoio para adultos autistas;
  4. Orientação à empresa sobre possíveis adaptações ambientais e sensoriais.

Efeitos do Diagnóstico:

Carlos relatou alívio imediato e reorganização de sua trajetória de vida sob uma nova perspectiva. A compreensão de sua condição permitiu melhor comunicação com sua esposa, maior autocompaixão, e mudanças significativas em seu estilo de vida, com melhora no manejo do estresse e diminuição da ansiedade.

Referências Bibliográficas Brasileiras

  1. Ribeiro, S. H., Paula, C. S., Bordini, D., Mari, J. J. (2017). Transtorno do Espectro Autista na vida adulta: desafios para diagnóstico e cuidado. Revista Brasileira de Psiquiatria, 39(3), 264–275.
  2. Destaca os obstáculos enfrentados no diagnóstico do TEA em adultos, e os impactos do não reconhecimento clínico ao longo da vida.
  3. Silva, M. T. A., & Cunha, G. R. (2019). Avaliação neuropsicológica no TEA: contribuições para o diagnóstico diferencial em adultos. Cadernos de Psicologia e Saúde, 11(2), 45–58.
  4. Discorre sobre a importância da avaliação neuropsicológica como ferramenta para diferenciar TEA de outros transtornos mentais em adultos.
  5. Gadia, C. A., Tuchman, R., & Rotta, N. T. (2004). Transtorno autístico e outras desordens invasivas do desenvolvimento. Jornal de Pediatria, 80(2 Suppl), S83–S94.
  6. Ainda que mais voltado à infância, o artigo oferece sólida base sobre os critérios diagnósticos que continuam a ser relevantes na avaliação adulta.
  7. Schwartzman, J. S. (2011). Transtornos do Espectro do Autismo: uma revisão crítica. Revista USP, 89, 114–127.
  8. Reflete sobre os limites e desafios conceituais do diagnóstico, incluindo variações de manifestação ao longo da vida.

Ricardo Santana, neuropsicólogo, CRP15 0180, (82)99988-3001, Maceió/AL

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