Funções Executivas Ampliadas Geriátricas: Conceitos, Avaliação e Implicações Clínicas
Introdução
O envelhecimento humano é um processo complexo, marcado por mudanças biológicas, cognitivas, emocionais e sociais. Entre os domínios cognitivos mais relevantes nesse contexto, destacam-se as funções executivas, que compreendem um conjunto de processos mentais superiores responsáveis pela regulação do comportamento, pelo planejamento de ações, pela tomada de decisões e pela adaptação a situações novas (Malloy-Diniz, Sedo, Fuentes & Leite, 2008).
No entanto, quando se trata do envelhecimento, os estudos e a prática clínica não podem restringir-se apenas à avaliação laboratorial ou psicométrica clássica das funções executivas. Surge, então, a necessidade de um olhar ampliado, que considere a manifestação ecológica desses processos no cotidiano dos idosos, ou seja, a forma como a execução de tarefas, a resolução de problemas e a regulação emocional se traduzem em autonomia, independência funcional e qualidade de vida. Esse conceito vem sendo denominado de Funções Executivas Ampliadas Geriátricas.
Funções Executivas no Envelhecimento
As funções executivas incluem habilidades de:
- Planejamento (antecipar etapas de uma ação para alcançar um objetivo);
- Flexibilidade cognitiva (capacidade de mudar estratégias diante de novas demandas);
- Inibição (controlar respostas impulsivas ou automáticas);
- Monitoramento (avaliar erros e ajustar o comportamento);
- Memória de trabalho (manter e manipular informações mentalmente).
Pesquisas nacionais demonstram que esses processos sofrem alterações progressivas com a idade, mesmo em indivíduos saudáveis, sendo ainda mais comprometidos em casos de comprometimento cognitivo leve (CCL) e demências (Bertolucci et al., 2001; Nitrini et al., 2005).
O Conceito de Funções Executivas Ampliadas Geriátricas
A noção de Funções Executivas Ampliadas Geriátricas vai além da mensuração estritamente neuropsicológica. Ela busca integrar aspectos:
- Cognitivos – habilidades testadas em instrumentos formais (ex.: Stroop, Torre de Londres, Teste de Trilhas).
- Funcionais – capacidade de gerenciar atividades instrumentais da vida diária, como controlar finanças, utilizar transporte público, organizar rotinas e manejar medicamentos (Charchat-Fichman et al., 2009).
- Socioemocionais – regulação afetiva, julgamento social, consciência de limitações e adaptação a novos papéis sociais.
- Ecológicos – aplicabilidade dos resultados em situações da vida real, conceito cada vez mais valorizado na neuropsicologia brasileira (Coutinho, 2016).
Assim, a avaliação geriátrica não deve se restringir ao desempenho em testes, mas considerar como o idoso mobiliza suas funções executivas para manter sua autonomia.
Avaliação das Funções Executivas em Idosos no Brasil
Diversos instrumentos adaptados e validados para a população brasileira permitem avaliar dimensões das funções executivas. Entre os mais utilizados:
- Teste de Trilhas (TMT A e B / Trilhas Coloridas): avalia atenção sustentada e alternância de tarefas (Campanholo et al., 2014).
- Fluência Verbal (semântica e fonêmica): amplamente utilizada na avaliação geriátrica, sensível a declínios executivos (Brucki & Rocha, 2004).
- Wisconsin Card Sorting Test (WCST e WCST-64): examina flexibilidade cognitiva, mudança de categoria e monitoramento de erros (Argimon & Stein, 2005).
- Torre de Londres (TOL): avalia planejamento; validada em idosos brasileiros (Moreira et al., 2010).
- Figura Complexa de Rey: exige planejamento visuoespacial e memória (Oliveira & Rigoni, 2010).
- Escalas funcionais: como a FAQ (Functional Activities Questionnaire), que relaciona funções executivas ao desempenho em atividades instrumentais da vida diária (Pfeffer et al., adaptado por Sanchez et al., 2011).
Além disso, instrumentos de rastreio como o MoCA (Montreal Cognitive Assessment) e o PBAC (Philadelphia Brief Assessment of Cognition) incluem tarefas executivas e possuem versões adaptadas ao contexto brasileiro.
Implicações Clínicas
A abordagem das funções executivas ampliadas tem consequências diretas para a prática clínica e para políticas públicas em saúde:
- Diagnóstico precoce de declínio cognitivo: comprometimento em funções executivas frequentemente antecede quadros demenciais, como Alzheimer e demência frontotemporal.
- Planejamento de intervenções: identificar déficits executivos auxilia na formulação de programas de reabilitação cognitiva, treino de estratégias compensatórias e suporte psicossocial.
- Prevenção da perda de autonomia: déficits executivos estão diretamente relacionados ao risco de dependência funcional (Charchat-Fichman et al., 2009).
- Validade ecológica: reforça a necessidade de avaliações que dialoguem com o cotidiano, evitando reducionismos exclusivamente psicométricos (Coutinho, 2016).
Considerações Finais
O estudo das Funções Executivas Ampliadas Geriátricas evidencia que a compreensão do envelhecimento saudável ou patológico exige a integração entre desempenho em testes formais e impacto funcional e social das funções executivas no cotidiano.
Na prática clínica e na pesquisa, essa perspectiva reforça a importância de instrumentos adaptados à realidade brasileira, que considerem variáveis culturais, educacionais e socioeconômicas. Assim, a abordagem ampliada contribui para uma avaliação mais precisa, intervenções mais eficazes e para a promoção da qualidade de vida do idoso.
Referências
- Argimon, I. I. L., & Stein, L. M. (2005). Habilidades cognitivas em indivíduos muito idosos: um estudo longitudinal. Cadernos de Saúde Pública, 21(1), 64–72.
- Bertolucci, P. H. F., Brucki, S. M. D., Campacci, S. R., & Juliano, Y. (2001). O Mini-Exame do Estado Mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 59(3B), 559–564.
- Brucki, S. M. D., & Rocha, M. S. G. (2004). Category fluency test: effects of age, gender and education on total scores, clustering and switching in Brazilian Portuguese-speaking subjects. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 37(12), 1771–1777.
- Campanholo, K. R., et al. (2014). Performance of an adult Brazilian sample on the Trail Making Test and Stroop Test. Dementia & Neuropsychologia, 8(1), 26–31.
- Charchat-Fichman, H., Caramelli, P., Sameshima, K., & Nitrini, R. (2009). Declínio da memória e da função executiva em idosos saudáveis. Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(2), 232–241.
- Coutinho, G. (2016). Neuropsicologia clínica: fundamentos e práticas. São Paulo: Pearson.
- Malloy-Diniz, L. F., Sedo, M., Fuentes, D., & Leite, W. B. (2008). Neuropsicologia das funções executivas. In D. Fuentes, L. F. Malloy-Diniz, C. H. Camargo & R. M. Cosenza (Orgs.), Neuropsicologia: teoria e prática (pp. 187–206). Porto Alegre: Artmed.
- Moreira, I. F., Malloy-Diniz, L. F., Fuentes, D., Correa, H., & Lage, G. M. (2010). Torre de Londres e planejamento: evidências de validade em idosos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 23(2), 267–273.
- Nitrini, R., et al. (2005). Diagnóstico de doença de Alzheimer no Brasil: critérios diagnósticos e exames complementares. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 63(3A), 713–719.
- Oliveira, M. S., & Rigoni, M. S. (2010). Teste da Figura Complexa de Rey: manual. São Paulo: Casa do Psicólogo.
- Sanchez, M. A., et al. (2011). Adaptation of the Pfeffer Functional Activities Questionnaire (PFAQ) to Brazilian Portuguese. Dementia & Neuropsychologia, 5(3), 282–287.
Ricardo Santana, Neuropsicólogo, CRP15 0180, (82)99988-3001, Maceió/AL
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